Análises & Estudos

LIBERALIZAÇÃO DO MERCADO DE ENERGIA EM MOÇAMBIQUE

[Translate to Portugais:]

O fornecimento de energia é uma área estratégica para qualquer país e Moçambique não é excepção.

O sector da energia em Moçambique tem vindo a registar desenvolvimentos significativos nos últimos tempos, em particular a actividade de produção. Contudo, o actual quadro legal (com destaque para a Lei da Electricidade, aprovada pela Lei n.º 21/97 de 1 de Outubro, e o Regulamento da Lei da Electricidade aprovado pelo Decreto n.º 8/2000 de 14 de Abril), tem-se revelado bastante conservador e desajustado no que concerne a promoção e incentivo para novos investimentos, principalmente em sistemas de energias renováveis para produção de energia eléctrica.

Com uma diversidade de fontes de geração de energia, desde recursos hídricos, gás natural, e potencial eólico e solar, Moçambique é classificado como um dos países Africanos com maior potencial de produção de energias a nível da África Austral. Por esta razão, nos últimos tempos, o país tem atraído a atenção de investidores nacionais e estrangeiros com interesse no sector da energia. Por estas razões, era expectável que o quadro legal fosse mais atractivo, dinâmico e facilitasse a implementação de novos projectos. No entanto, o procedimento administrativo para aprovação de novos projectos de geração de energia eléctrica é bastante oneroso e complexo, o que tem sido um obstáculo para os investidores e consequentemente para o benefício do povo moçambicano, que se vê privado do acesso à mais e melhor energia eléctrica.

Ao abrigo da Lei da Electricidade em vigor, a autorização para o desenvolvimento de empreendimentos de energia é concedida por meio de uma Concessão aprovada pelo governo, excepto quando a produção de energia seja destinada ao uso e consumo próprio. O facto de a concessão ser o único meio de aquisição de direitos para desenvolver um projecto de energia torna todo o processo pouco atractivo, uma vez que o processo de atribuição da Concessão pela entidade governamental competente é por natureza demorado visto que implica um processo prévio de negociação e aprovação dos termos do contrato de concessão. Com efeito, qualquer projecto de energia, independentemente da sua dimensão, está sujeito a atribuição de uma concessão a ser aprovada pelo órgão competente. Acresce ainda que, a competência para a aprovação dos projectos segue um critério que também se afigura pouco viável para os investidores. 

Os projectos que tenham uma capacidade nominal de geração a partir de 100MVA devem ser aprovados pelo Conselho de Ministros. Abaixo desse limite, são da competência do Ministro dos Recursos Minerais e Energia (MIREME). Ora em termos práticos, na sua grande maioria, os projectos tendem a ter uma capacidade nominal acima do limite acima estabelecido, pelo que cabem na competência do Conselho de Ministros.

Parece-nos natural que, atento ao contexto histórico do país (período pós-independência e logo a seguir o período pós-guerra) fosse fundamental para o Estado a sua intervenção no sector. Havia a necessidade de garantir a distribuição equitativa da energia para todos e a preços acessíveis, por forma a impulsionar o desenvolvimento do país e reduzir as desigualdades sociais. Contudo, volvidos mais de 20 anos da aprovação da Lei de Electricidade em vigor, é fundamental tornar o quadro legal mais apetecível, acomodar os desenvolvimentos do sector, e propiciar o aproveitamento das potencialidades do nosso país na geração de energia para o nosso consumo e para exportação.

Nesta senda, o Conselho de Ministros, aprovou recentemente, o projecto da nova Lei da Electricidade, sendo que a mesma foi remetida à Assembleia da República para as formalidades ulteriores. De acordo com a versão do projecto da nova Lei da Electricidade, circulada em 2021 e que tivemos acesso, os limites iniciais de competência para o licenciamento de novos empreendimentos de energia mantêm-se inalterados.

Contrariamente ao que se esperava, no sentido de se adoptar gradualmente uma política de liberalização, sobretudo para os projectos de pequena dimensão como as Mini-Redes, a proposta da nova Lei da Electricidade mantém a necessidade de atribuição de concessões para os projectos com capacidade nominal até 5MW, sujeitando os operadores de Mini-Redes a mesma complexidade de procedimentos para obtenção de uma concessão. Notamos ainda que, enquanto por um lado a proposta da nova Lei da Electricidade prevê que as Mini-Redes compreendem uma capacidade de até 5MW, por outro lado, o recém-aprovado e publicado Regulamento de Acesso à Energia Fora da Rede (Off Grid), prevê que as Mini Redes compreendem uma capacidade de até 10MW, facto que despoleta alguma incoerência em termos de determinação dos limites máximos para as Mini-Redes.

Enquanto isso, no contexto regional, a vizinha África do Sul anunciou recentemente uma liberalização de até 100MW.

Uma reforma legislativa seria pois uma grande oportunidade para melhorar a atractividade de investimento no sector, injectar confiança no mercado de energia em Moçambique, facilitar a geração de energia em pequena escala e até alcançar os objectivos traçados ao abrigo do projecto Moçambique Energia para Todos ou simplesmente ProEnergia. Este projecto, lançado pelo Governo, tem como principal objectivo garantir o acesso universal à energia para todos os cidadãos moçambicanos até 2030. Importa aqui realçar que, actualmente, dados indicam que Moçambique ainda enfrenta um nível de escassez de energia elevado, com apenas 34% da população com acesso a energia eléctrica. A liberação das Mini-Redes em termos de requisitos de licenciamento vai permitir o acesso à energia e electrificação das zonas rurais de forma célere e sustentável do ponto de vista financeiro.

Adicionalmente, atento que os principais projectos de energia actualmente em discussão ou recentemente implementados no país contam com uma capacidade nominal de geração de energia superior a 100MW, o que demanda a sua aprovação pelo Conselho de Ministros e as consequências daí decorrentes em termos de timing, custos e burocracia envolvida, seria de ponderar o aumento das competências do MIREME, como forma de assegurar a celeridade e simplificação dos procedimentos de licenciamento.

Com o processo de aprovação da proposta da nova Lei da Electricidade em estágio já avançado, Moçambique tem a oportunidade de, à semelhança dos países vizinhos, dar um passo significativo na reforma do quadro legal por forma a liberalizar o sector da energia e permitir o acesso à energia nas zonas rurais.

 

 


[1] Decreto n.º 93/2021 de 10 de Dezembro.

Documentation

Download Liberalisation_du_secteur_de_l_energie_au_Mozambique_-_SC.pdf  (PDF • 120 KB) Download Liberalizacao_do_Sector_da_Energia_em_Mocambique_-_SC.pdf  (PDF • 82 KB)
Share this page Share on FacebookShare on TwitterShare on Linkedin